terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

DÉCADA PERDIDA - Marco Antonio Villa


- Propaganda à parte, seu primeiro mandato consistiu numa Presidência pobre em ideias e vulgar nos discursos. O Legislativo — depois da crise do mensalão— fora domado, transformado em correia de transmissão dos interesses do governo, recebendo, claro, o devido pagamento. Os partidos perderam qualquer caráter ideológico. E ele, só ele, fez política. Política pobre em conceitos valores, recheada de metáforas do cotidiano — especialmente do “seu” cotidiano. Lula transformou o senso comum em filosofia. Em vez de um líder político, virou um animador de auditórios. Desprezou o passado. Para o lulismo a história é sempre o presente.
- São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. Disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação. É uma República bufa, uma República petista.
- Se, em seus dois governos, Lula possibilitara o maior lucro da história dos bancos brasileiros e transferira bilhões de reais para os empreendimentos do grande capital, agora fazia questão de elaborar uma fantasia de estatista para sua candidata.
- O presidente deu novo sentido histórico às velhas oligarquias estaduais, acobertou casos de corrupção, transformou o PT em simples correia de transmissão de sua vontade pessoal, infantilizou a política e privatizou o Estado em proveito do grande capital e de seus aliados.
- Com este desempenho medíocre, Dilma se igualava aos dois piores governos da República em termos de crescimento econômico: o de Floriano Peixoto, que enfrentara duas guerras civis, e o de Fernando Collor
- A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, foi recebida como um conto de fadas. O país estaria pagando uma dívida social. E o recebedor era um operário.
Operário que tinha somente uma década de trabalho fabril, pois, aos 27 anos de idade, dera adeus, para sempre, à fábrica. Virou um burocrata sindical. Mesmo assim, durante trinta anos, de 1972 a 2002, entre a entrada na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição presidencial usou e abusou do figurino do operário, trabalhador, sofrido. E pior: encontrou respaldo e legitimação por parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não resolvido.
- A repetição sistemática de que em São Bernardo fora gestada uma ruptura acabou ganhando foro de verdade científica, indiscutível. Lula tinha de negar e desqualifcar a história para surgir como uma espécie de “esperado”, o “ungido”. Não podia, por si só, realizar esta tarefa. Para isso, contou com o apoio entusiástico dos intelectuais, ironicamente, ele que sempre desdenhou do conhecimento, da leitura e da reflexão. E muitos desses intelectuais que construíram o mito acabariam rompendo com o PT depois de 2003, quando criatura adquiriu vida própria e se revoltou contra os criadores.
- A vontade pessoal, fortalecida pelo culto da personalidade, transformou-s em obsessão. O processo se agravaria ainda mais após a vitória de 2002. Afinal não só o Brasil, mas o mundo se curvava frente ao presidente operário. Seus defeitos foram ainda mais tornados qualidades. Qualquer crítica virou um crime de lesa-majestade. O desejo de eliminar as vozes discordantes acabaria como política de Estado. Quem não louvava o presidente era considerado um inimigo.
- Os conservadores brasileiros — conservadores não no sentido político, mas como defensores da manutenção de privilégios antirrepublicanos — logo entenderam o funcionamento da personalidade do presidente. Começaram a louvar suas realizações, suas palavras, seus mínimos gestos. Enfim, o que presidente falava ou agia passara a ser considerado algo genial. Não é preciso dizer que Lula transformou os antigos “picaretas” do Congresso em aliados incondicionais. Afinal, eles reconheciam publicamente seus feitos, suas qualidades. E mereceram benesses como nunca tiveram em outros governos.
- O PT era considerado uma novidade na política brasileira. A “novidade” daria vida nova às oligarquias. É muito difícil encontrar, nos últimos cinquenta anos, um período tão longo em que os velhos oligarcas tiveram tanto poder como o de agora. Usaram e abusaram dos recursos públicos e transformaram seus estados em domínios familiares perpétuos. O Bolsa Família caiu como um luva, soldando o novo tipo de coronelismo petista. Se as 14 milhões de famílias do programa identificam em Lula a razão do recebimento do benefício, sabem que, para serem cadastradas e mantidas no Bolsa Família, dependem do chefe local. E os governichos criminosos, recordando antiga expressão da República Velha, permanecem dominando milhões de pré-cidadãos.
- O partido aparelhou o Estado. Não só pelos seus 23 mil cargos de nomeação direta. Fez mais. Transformou as empresas e bancos estatais, e seus poderosos fundos de pensão, em instrumentos para o PT e toda sua ampla clientela. Estabeleceu uma rede de controle e privilégios nunca vista na nossa história. Em um país invertebrado, o partido desmantelou o que havia de organizado através da cooptação estatal. Foram distribuídos milhões de reais para sindicatos, associações, ONGs, intelectuais, jornalistas chapa-branca, criando assim uma rede de proteção aos desmandos do governo: são os tonton-macoute.
- A política externa amarrou o destino do Brasil a um terceiro-mundismo absolutamente fora de época. Nos fóruns internacionais, o país se transformou em aliado preferencial das ditaduras e adversário contumaz dos Estados Unidos. Abandonamos o estabelecimento de acordos bilaterais para fomentar o comércio. Enquanto o eixo dinâmico do capitalismo foi se transferindo para a região Ásia-Pacífico, o Brasil aprofundou ainda mais sua relação com Mercosul. Em vez de buscar novas parcerias, optamos por transformar o governos bolivarianos em aliados incondicionais.
- O movimento sindical foi apresado pelo governo. Os novos pelegos controlam com mão de ferro “seus” sindicatos. Recebem repasses milionários sem ter de prestar contas a nenhum organismo independente. Não vai causar estranheza se o Congresso — nesta escalada de reconhecer novas profissões — instituir a de sindicalista. A maioria dos dirigentes passou rapidamente pela fábrica ou escritório e está há décadas “servindo” os trabalhadores. Ser sindicalista virou um instrumento de ascensão social. E caminho para alçar altos voos na política.
- Não será tarefa fácil retirar o PT do poder. Foi criado um sólido bloco de sustentação que — enquanto a economia permitir — satisfaz o topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas assistenciais que petrificam a miséria mas garantem apoio político e algum tipo de satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao grande capital com um política de cofres abertos, em que tudo pode, bastando ser amigo do rei.
- O PT aprofundou o processo de desmoralização da política. Lula foi o principal artífice em desqualificar as graves acusações de corrupção que pesaram sobre seu governo ou de seus aliados. Chancelou, com sua pretensa autoridade moral, diversos crimes contra o erário. Colaborou para afastar da política os cidadãos sinceramente interessados no bem público, especialmente os mais jovens.
- A década petista terminou. E nada melhor para ilustrar o fracasso do que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de 0,9%, em 2012. Foi uma década perdida — para o país. Perdemos um momento único na história recente do capitalismo. A bonança chinesa, a mudança do eixo dinâmico capitalista da economia atlântica para a região Ásia-Pacífico, a alta das commodities, a ascensão dos países emergentes, a eficiência de padrão internacional de vários setores da economia nacional — tudo conspirou a favor, para que déssemos um grande salto e enfrentássemos desafios em outro patamar. Mas o PT não tinha projeto para o país. Nunca se interessou em planejar o médio e longo prazo. O que possuía era um mero projeto de poder, de tomar o Estado e transformá-lo numa correia de transmissão para seus interesses partidários. E conseguiu.




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