segunda-feira, 25 de abril de 2011

CULPA E GRAÇA de Paul Tournier (NOTAS DE LEITURA)


Depravação Total. O primeiro dos 5 pontos da fé calvinista está imediatamente associado a ideia da universalidade da culpa e confesso a vocês que eu ainda não tinha parado para pensar nisto. Na verdade sempre vi a problemática da culpa como algo vivenciado por algumas pessoas somente. 
Todos são culpados e por isso todos julgam. Toda a humanidade esta presa a um ciclo interminável de culpa e julgamento. É ai que entra a graça. 
Graça é um conceito revolucionário que precisa ser redescoberto (principalmente por nós cristãos). A graça não remove a culpa e sim a condenação. A culpa cessa onde não ha julgamento, por isso Jesus não quis julgar a mulher pega no ato de adultério. Jesus não julgou. Ele removeu a condenação. 
Graça é a solução para a culpa, seja ela verdadeira ou falsa (dos tabus). Na graça não existe condenação. Na graça, o culpado encontra perdão. Na graça não preciso “pagar” nada. A graça pagou no meu lugar. 
Leitura fascinante e prazeirosa. Recomendo a sua leitura.

Com vocês as notas de leitura de “Culpa e Graça” 
  • Bem, a consciência culpada é a constante da nossa vida. Toda a educação, em si mesma, constitui um cultivo intensivo do sentimento de culpa, principalmente a melhor educação, aquela de pais bastante preocupados quanto a formação moral de seus filhos e quanto a sucesso deles na vida. A educação consiste, sobretudo, em repreensão, e toda repreensão, mesmo sendo uma reprovação discreta e silenciosa, sugere o sentimento de culpa. 
  • Os pais devotos evocam este versículo para exigirem de seus filhos uma submissão servil, mesmo depois de terem deixado de ser crianças. Mas estes pais dão pouca atenção ao que o apóstolo acrescenta logo a seguir: "Pais, não provoqueis vossos filhos à ira" (Ef 6:4) nem ao que ele acrescente ainda em outra passagem: "... para que não fiquem desanimados" (Cl 3:21).
  • Todos somos constantemente cercados de críticas, às vezes mordazes e francas, às vezes silenciosas, mas nem por isso menos doloridas. Todos somos sensíveis à crítica, mesmo que não deixemos ninguém perceber. As pessoas seguras suportam isto melhor. Defendem-se, respondem, "criticam a crítica" e, nesse caso, quem se sente culpado é o interlocutor. "Minha irmã é tão categórica em suas opiniões", disse-me uma senhora, "que me sinto sempre um pouco culpada se não tenho a sua opinião". E uma outra: "Eu chego a evitar ir visitar a minha irmã, porque no momento em que quero ir embora, ela diz: 'Como? Já vai?', com um tom de reprovação que até me faz sentir culpada".
  • Todo conselho esconde uma crítica velada, a menos que tenha sido solicitado. Dizer a alguém: "Se eu fosse você, agiria de tal ou qual maneira" é o mesmo que dizer que a maneira dele agir não é correta. Assim muitos pais zelosos sufocam a iniciativa dos filhos com bons conselhos. Eles dão a entender que os filhos são incapazes de encontrar, por si mesmos, a conduta acertada e semeiam em suas mentes dúvidas quanto à sua própria capacidade.
  • Jesus elevou o debate acima dos mecanismos psicológicos elementares, ao colocar a questão dos valores: "Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada". Mas isto não implica que exista em Jesus qualquer desprezo pelo trabalho doméstico, pois ele não se sentiu rebaixado em cozinhar ele mesmo para seus amigos (Jo 21:9).
  • Porque a verdadeira culpa é, principalmente, você não ousar ser você mesmo. É o medo do julgamento dos outros que nos impede de sermos nós mesmos, de nos mostrarmos tal como somos, de manifestarmos nossos gostos, desejos e convicções, de nos desenvolvermos, de nos expandirmos segundo a nossa própria natureza, livremente. É o medo do julgamento dos outros que nos esteriliza, que nos impede de produzir todos os frutos que somos chamados a produzir. "Fiquei com medo" diz, na parábola dos talentos, o servo que escondeu o seu talento na terra, em lugar de fazê-lo valorizar. (Mt 25:25 BLH)
  • Toda inferioridade é sentida como culpa.
  • As fraudes tidas como inofensivas têm tantos atrativos para tanta gente, por causa do risco de perseguições que elas implicam. Disso decorre o que se chama comumente de "prazer do fruto proibido": prazer do risco e prazer de sair ileso (como o de escapar da alfândega).
  • Eis aí o grande paradoxo que sempre encontramos em toda a Bíblia: o caminho doloroso da humilhação e da culpa, com todas as angústias e todas as revoltas contra Deus que elas suscitam! E precisamente o caminho que desemboca na estrada real da graça. Deus ama os que, em lugar de disfarçar o problema, o enfrentam até o confronto e a resistência. "Vi a Deus face a face, e a minha vida (nephesh, alma) foi salva" gritou Jacó. O resultado de tudo isto foi que Israel ficou coxo. Assim podemos ver que uma doença pode ser consequência de um combate espiritual.
  • Quando abrimos os Evangelhos, vemos que Jesus Cristo, cujas responsabilidades eram bem maiores que as nossas, se mostra menos apressado que nós. Ele tinha tempo para falar com uma estrangeira que encontrou na beira de um poço (Jo 4:1-6). Ele linha tempo de tirar férias com seus discípulos (Jo 13:5), tempo de admirar os lírios dos campos (Mt 6:28), ou um pôr-do-sol (Mt 16:2); de lavar os pés de seus discípulos (Jo 13:5); de responder, sem impaciência, às suas perguntas tolas (Jo 14:5-10). Ele tinha, sobretudo, tempo para se retirar nos desertos e orar (Lc 5:16), e de passar toda uma noite em oração antes de uma decisão importante (Lc 6:12).
  • Um dia, há mais ou menos um ano, percebi que estava me prejudicando porque comecei a ler o jornal antes da meditação matinal, o momento quando Deus me pedia que o escutasse antes de escutar o mundo. Foi simples corrigir isto, mas para renovar o clima de minha vida.
  • É esta liberdade que almejamos: a liberdade de agir ou de não agir, de falar ou de calar, de fazer isto e não aquilo, de trabalhar e de repousar, segundo a convicção que Deus nos da. Quer sejamos pessoas de fé ou não, nós nos sentimos sempre culpados por nos deixar conduzir pelas exigências do mundo, por mais nobres que elas sejam, e não por uma inspiração interior e pessoal.
  • Na realidade, quaisquer que sejam as boas razões que possamos invocar para nos defender, nós nos sentimos sempre culpados das faltas dos outros. Um senso de solidariedade humana está profundamente arraigado na alma de cada um. Sentimos isso mais vivamente quando se trata de alguém próximo. Se seu irmão recebe honra por um ato de heroísmo, você fica orgulhoso disto também, embora não tenha participado do acontecimento. Porém se este mesmo irmão praticar um ato vergonhoso, você também sentirá vergonha, mesmo que aparentemente não tenha nenhuma cumplicidade no caso.
  • Assim, a vida espiritual e o ministério espiritual, longe de tornar mais leve o fardo da culpa, aumentam ainda mais a carga. Além disso, não se trata, como em Jesus Cristo, do peso da culpa dos outros somente. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais experimentamos a sua graça e quanto mais experimentamos a sua graça, mais descobrimos faltas em nós mesmos que não distinguíamos antes, e mais sofremos por isso.
  • Eu não me esqueço da justa distinção que os teólogos fazem entre tentação e pecado. Apresso-me a expô-la: tentação não é pecado. A prova é que o próprio Jesus foi tentado (Lc 4:1-13). Não importa qual seja a idéia; mesmo a mais ímpia e a mais criminosa pode jorrar de nosso espírito, sem que possamos fazer nada. O mal está em acolhê-la, em cultivá-la e em nos comprazermos nela. Cito as palavras de Lutero: "Não podemos impedir que as aves voem sobre a nossa cabeça, mas podemos impedir que façam aí o seu ninho".
  • Mesmo a noção do complexo implica a existência, por trás dessas desculpas automáticas de nossa conduta, de outros problemas mais profundos e misteriosos. Significa que nós não temos coragem de nos examinar a fundo; que temos um certo medo de fazer em nós mesmos, através de um exame mais profundo, descobertas desagradáveis e pouco lisonjeiras. Temos sempre um pouco de vergonha de nossos complexos, mesmo quando sabemos que todo o mundo os tem também.
  • Nossos complexos nos influenciam mesmo na leitura da Bíblia, quando nós procuramos nela inspiração para uma conduta mais livre e mais em harmonia com a vontade de Deus. É como no cinema em três dimensões, onde o espectador usa, para obter uma visão estereoscópica, óculos de duas cores, de tal forma que cada olho só vê uma parte da imagem projetada. Assim, cada um de nós vê na Bíblia o que corresponde às suas idéias preconcebidas e a seus complexos.
  • Ao contrário do moralismo, que imagina que ele nos reprovará pelas faltas que cometemos, Jesus Cristo nos lembra que será o contrário: seremos julgados pelas boas ações que deixamos de fazer, culpas muito maiores, infinitas.
  • Nós velamos nossos sentimentos ou os manifestamos mais ardentes do que eles são. Ser fiel a si próprio é ser natural, espontâneo, sem medo do julgamento dos outros.
  • Contudo não é suficiente escutar a Deus, é necessário obedecê-lo.
  • Quanto mais a criança cresce, mais se desenvolverá nela o senso autônomo da verdadeira culpa, e é na medida em que ela ordenar a sua vida e a sua conduta, que ela se livrará das falsas culpas provocadas pelos parâmetros da sociedade e pelas reprovações de seus pais. Uma história da Bíblia nos mostra isso de uma maneira sem igual: trata-se do próprio Jesus, com a idade de 12 anos, que marca precisamente esta transição entre a dependência infantil e a autonomia adulta.
  • Quando criança, o ideal de Jesus era não causar aflição à sua mãe, mas ele deveria tornar-se independente para assumir logo a condição de adulto: cumprir a missão a que Deus o chamara, e preparar-se desde já. A partir daquele momento, a verdadeira culpa seria negligenciar este apelo interior, seria permanecer dependente de seus pais, limitado a todas as suas exigências.
  • Encontramos aqui toda a perspectiva bíblica e a luz que ela projeta sobre este problema tão complexo de culpa: a única verdadeira culpa é a de não depender de Deus, somente de Deus. "Não terás outros deuses diante de mim" (Ex 20:3).
  • O que é considerado culpável em uma sociedade não o é em outra. O que é considerado culpável em uma época não o é em outra. Não podemos, por exemplo, distinguir um sentimento autêntico de pudor de uma sugestão social a esse respeito. Um traje tido como indevido em um país é espontaneamente admitido em outro. De fato, toda culpa sugerida pelo julgamento dos homens é uma falsa culpa se não é atestada internamente por um julgamento de Deus.
  • Jesus é ainda mais enérgico ao repreender o apóstolo Pedro quando este o censurou por meter-se em um conflito com as autoridades religiosas que o levariam à cruz: "Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim, das dos homens." (Mt 16:22-23). Pensamentos de Deus e pensamentos dos homens: julgamento de Deus e julgamento dos homens; eis aí, claramente formulada, a oposição entre a verdadeira e as falsas culpas.
  • E assim, em toda parte, as acusações brotam de todo lado e se cruzam indefinidamente, todas elas pronunciadas com convicção, todas por justa causa, para o triunfo do bem sobre o mal, da verdade sobre o erro. E todos os homens se acusam mutuamente. Se a verdadeira culpa é o que Deus censura em nós, o que eu posso fazer por um doente é ajudá-lo a se aproximar de Deus, a escutá-lo e não a esperar de minha boca um julgamento divino. Pretender exercer uma arbitragem moral, dizer-lhe que deve se sentir culpado ou não, que é culpado ou não, não é o meu papel de médico; é o mesmo que fechar a porta a qualquer ajuda eficaz.
  • Para se poupar todo conflito, seria preciso retirar-se da vida; e daí surgiria a suprema culpa da desistência, da capitulação. A vida sempre traz conflitos, fundamenta-se no conflito, mesmo no caso da mais humilde célula que só subsiste defendendo-se constantemente contra o meio ambiente. O que não engole o outros é engolido.
  • Não existe vida sem conflito; não existe conflito sem culpa.
  • De fato, algumas pessoas podem se enganar e louvarão a atitude de humildade que têm. Seus pais sefelicitarão por terem um filho tão submisso e o usarão como exemplo aos irmãos e irmãs rebeldes. Este filho poderá enganar a si mesmo, considerando uma grande virtude, o que não é senão uma paralisia de suas energias psíquicas. O verdadeiro arrependimento não surge tão rápido assim, não tem este caráter automático de um determinismo psicológico. O arrependimento só vem depois de um longo combate, após uma defesa tumultuada. Arrepende-se somente quando a convicção de pecado vem de dentro e não de fora; quando vem do profundo do nosso ser, do diálogo íntimo com Deus, da ação do Espírito Santo, e não dos julgamentos dos homens.
  • Agressividade ou fuga são as respostas imediatas e inevitáveis a todo julgamento.
  • E preciso que eles sintam-se acolhidos, sem o espírito de julgamento, como pessoas e não como delinquentes, para que um salutar sentimento de culpa possa formar-se dentro deles.
  • Da mesma forma, é necessário que a nossa voz se cale, que desistamos de nosso julgamento sobre alguém, para que este possa escutar a voz de Deus, cujo julgamento é totalmente diferente do nosso.
  • Os pais julgam a conduta dos filhos segundo a sua ótica de adulto, com toda a experiência de vida que eles têm e que os filhos não têm. Eles acusam um filho, por exemplo, de mentir, porque ele conta como verdadeiras as histórias que inventa. Eles insistem para que ele reconheça a sua culpa. Ora, esta criança não se sente culpada por isso, porque para ela o mundo do sonho é ainda tão real quanto o da realidade. A suspeita cria aquilo de que desconfia. Esta criança chegará, possivelmente, a ser mentirosa, por ter sido acusada, sem razão, de dizer mentiras. Talvez esta criança já carregue em si mesma outras culpas, bem mais autênticas, mas que escapam a seus pais. Ela pode descobri-las escutando a voz de Deus que fala a seu coração. O que importará para a sua vida moral futura não será precisamente que ela aprendeu a escutar a Deus, a depender dele e não do julgamento dos homens? Observem: é precisamente a voz dos pais, tão zelosos em sua educação moral, que abafa a voz de Deus; os julgamentos dos pais impedem a criança de tomar consciência daquilo que Deus está dizendo.
  • Talvez pareça brutal dizê-lo mas, ao lado de cada cova, há um turbilhão de sentimentos de culpa que assaltam a mente: tudo que nós nos reprovamos por ter feito, e tudo que nós nos reprovamos por não ter feito em relação ao falecido. Nós nos acomodamos com estas coisas como podemos, seja reprimin-do-as, seja admitindo-as com uma filosofia conveniente. É claro que só existe uma verdadeira e total resposta: o perdão de Deus.
  • Toda concepção nova, toda criação se choca com um dilúvio de críticas. Os que mais criticam são os que não criam nada. Mas eles constituem uma muralha poderosa, que nós tememos mais do que o confessamos; uma colisão com esta muralha pode nos machucar bastante. Tememos menos a contradição aberta, que nos pode trazer estímulos, do que a zombaria ou o menosprezo, ou as pessoas que nos julgam estúpidos ou orgulhosos, neuróticos ou perigosos.
  • O julgamento é sempre destruidor.
  • Ao ver o prodigioso desabrochar que uma pessoa pode experimentar quando está envolvida por confiança e amor, quando não se sente mais julgada, podemos medir o poder sufocante da crítica alheia.
  • Nós temos uma profunda sede de vida, de relacionamentos alegres e livres. Precisamos que nossos amigos nos considerem sem preconceitos, vendo-nos como somos e não através da luneta de uma doutrina moral, de uma teoria científica ou de um diagnóstico médico. Pois é assim que Deus nos olha.
  • Estritamente falando é impossível não julgar. E impossível viver sem julgar, assim como é impossível viver sem respirar. "Penso, portanto, existo." Ora, "eu penso", significa necessariamente: "eu julgo".
  • Prestem atenção que a acusação destes homens não se baseia em um preconceito social ou moralista, mas na revelação divina: "E na lei mandou Moisés", dizem eles, "que tais mulheres sejam apedrejadas, tu pois que dizes?". Foi um desafio terrível. Jesus tomou algum tempo para pensar, e ficou escrevendo: "Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo". Assim, esta mulher simboliza todos os desprezados deste mundo, todas essas pessoas que vemos diariamente esmagadas pelos julgamentos que pesam sobre elas, pelos julgamentos arbitrários e injustos, mas também pelos julgamentos justos, fundados sobre a moral mais santa e a lei divina mais autêntica. Ela simboliza todos os inferiorizados psicológica, social e espiritualmente. Seus acusadores simbolizam toda a humanidade que julga, que condena, que despreza.
  • Ao contrário de todos estes preconceitos sociais, Deus se aproxima dos desprezados e lhes confia o seu reino. O sentido profundo de toda legislação mosaica era a proteção dos fracos (Lv 25:35-37), Mas é na própria pessoa de Jesus Cristo que explode esta mudança de valores. Ele, que "subsistindo em forma de Deus... a si mesmo se esvaziou... tornando-se em semelhança de homens" (Fp 2:6-8), semelhante ao mais miserável dos homens, nascendo em um estábulo, morrendo sobre uma cruz, desprezado e rejeitado (Is 53:3). Para discípulos, ele escolhe humildes pescadores como Pedro (Mt 4:18), ou um fiscal da alfândega como Mateus (Mt 9:9), que estava a serviço dos romanos, conquistadores do país.
  • Observem esta reversão. Deus prefere os pobres, os fracos, os desprezados. O que os religiosos têm mais dificuldade ainda de admitir é que ele prefere os pecadores ao justos. Isto se explica precisamente por este ponto de vista bíblico que a psicologia moderna confirma: que todos os homens são igualmente carregados de culpa. Os que chamamos justos não estão isentos dela, mas a reprimiram; os que chamamos de pecadores estão conscientes da sua culpa e, por isso mesmo, mais preparados para receber o perdão e a graça.
  • É isto que Jesus vai proclamar muito mais rigorosamente ainda. O sentido do Sermão do Monte não será o de uma receita para se liberar da culpa por uma conduta meritória. Muito pelo contrário. É a palavra que abala, que sacode, que convence de morte aquele que não matou; de adultério aquele que não o cometeu; de perjúrio aquele que não perjurou; de ódio aquele que se vangloriou de amor, e de hipocrisia aquele que era conhecido por sua piedade. Como se vê, é totalmente o contrário de um código moral; pode-se muito mais compará-lo com um diálogo socrático sobre a impotência do homem em atender à virtude autêntica e assim e justificar por sua conduta impecável.
  • O arrependimento é a porta para a graça. 
  • A igreja proclama a graça de Deus, e o moralismo, que é a negação dela, sempre se introduz em seu seio, particularmente entre aqueles que têm o mais louvável desejo de testemunhar a sua fé, pela re-tidão da sua conduta moral.
  • Cristo veio nos libertar destes legalismos mas, ao mesmo tempo, ele projeta uma luz implacável no âmago secreto do ser humano. Ele situa a culpa não nos comportamentos aparentes, mas no coração dos homens.
  • Se existem no mundo tantas paixões desencadeadas, tantas acusações implacáveis e sinceras contra "os outros" e que agravam sem cessar os conflitos entre os homens, é porque todos carregam entre si sentimentos de culpa, dos quais eles têm uma necessidade imperiosa de se defender, jogando as responsabilidades sobre outrem. O gosto pelo escândalo e pela fofoca responde por essa necessidade de sentir-se menos só com sua própria culpa reprimida, enfatizando a dos outros. 
  • O Deus da Bíblia é o Deus que entra na história, que age, fala e combate. Ele trava uma dura luta com o homem, para arrancá-lo de sua desgraça, visando sua salvação final. Aqui, por analogia, nós podemos dizer que os médicos são testemunhas de que todo tratamento é também um duro combate. 
  • Parece bastante claro que o homem não vive sem culpa. Ela é universal. Mas ela desencadeia, pouco a pouco, quer seja reprimida ou reconhecida, dois mecanismos inversos: quando reprimida, ela dá lugar à cólera, à revolta, ao medo e à angústia, a uma insensibilidade da consciência, a uma impossibilidade crescente de reconhecer as próprias faltas e a uma exaltação crescente de impulsos agressivos. Quando reconhecida conscientemente, ela conduz ao arrependimento, à paz e à segurança do perdão de Deus, a um refinamento progressivo da consciência e a um enfraquecimento progressivo dos impulsos agressivos.
  • Em todas as igrejas e em todas as comunidades cristãs, há espíritos moralistas imbuídos de julgamento que cultivam a culpa doentia; e espíritos generosos, mensageiros de Deus, que perdoam, que tornam leve esta culpa.
  • Todos experimentamos os sentimentos de culpa, mas todos, também, procuramos,constantemente, escapar disso, não pelo perdão de Deus, mas por mecanismos de justificação própria, pelo recalque de nossa consciência. 
  • Na realidade, a culpa acompanha o crente, mesmo após a conversão; ele torna-se mais sensível ainda, como temos visto. A condição descrita em Romanos, capítulo 7, é a de todos os homens, convertidos ou não. Não existe um "antes" e um "depois".
  • "São os santos que têm o senso do pecado", escreve R. P. Daniêiou,8 "o senso de pecado é a medida do senso de Deus em uma alma".
  • O que a graça remove não é a culpa, mas a condenação.
  • Sinto-me irmão deste homem, em profunda comunhão de espírito. Compreendo-o com toda a minha alma. Sou também muito provado pela vida. Ao mesmo tempo estou pesado e leve, triste e alegre, totalmente triste e totalmente alegre, fraco e forte, atormentado por culpas inumeráveis e seguro da graça de Deus. Da graça, não para mais tarde, mas para agora, para o meio do meu próprio tormento, de minha fraqueza, de minha culpa e de minhas dúvidas e, precisamente, por causa delas: "Pois não vim chamar justos, e, sim, pecadores" disse Jesus (Mt 9-.13)
  • Descobrimos que o nosso pecado mais sério e mais profundo é tentarmos dirigir a nossa própria vida (às vezes nos orientamos por princípios bons, às vezes por princípios da própria Bíblia) em vez de permitirmos que Deus nos oriente, abrindo os olhos e ouvidos à inspiração pessoal que ele concede.
  • Assim, Deus nos guia, mesmo que não estejamos sempre atentos a seus avisos. Um amigo pode enxergar com maior clareza do que nós, e em nossa presunção ficamos zangados com ele, assim como Balaão ficou com a mula.
  • Vida real é vida dirigida por Deus. Pecado significa perder o contato com Deus e não mais ser guiado por ele. 
  • Salvação não é uma idéia; é uma pessoa. É o próprio Jesus, impróprio Deus quem se dá. Em sua presença todos os debates intermináveis que despertam em nós o sentimento de culpa, todas as diferenças moralistas e nossas defesas contra os julgamentos de outros, tudo isto se esvai. Vemos isto na conhecida história de Zaqueu, que se enriqueceu às custas do povo. Ele tentou justificar-se e mostrar a sua boa consciência; porém Jesus o interrompeu com as palavras: "Hoje houve salvação nesta casa" (Lc 19:9).
  • Demonstramos, de modo suficientemente claro, a universalidade da culpa, a solidariedade da raça humana no estado de perdição. Fizemos isso para que a salvação para todos os homens que crêem em Cristo, e são reconciliados com Deus pelo seu sacrifício, possa ser claramente reconhecida. "Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Rm 3:23-24).

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